O estudo do sono tem despertado interesse desde a antiguidade,
suscitando diversos documentos escritos a cerca deste assunto. Segundo
Timo-Iaria (1985), o sono foi objeto de análise subjetiva, observativa e,
sobretudo discursiva durante milhares de anos em todas as civilizações.
Até o presente momento, a função do sono ainda não está completamente
esclarecida, mas, sabe-se que serve para restaurar os níveis normais de
atividade e o “equilíbrio” normal entre as diferentes partes do sistema
nervoso central (Guyton e cols, 1997), além de estar envolvido com a
conservação do metabolismo energético, com a cognição, com a termorregulação,
com a maturação neural e a saúde mental (Kandel e cols, 2003).
Embora represente um período de descanso, o sono parece não ser um
indicador de estado passivo do sistema nervoso, correspondendo então a um
fenômeno ativo, com fases distintas e bem caracterizadas (Aserinsky e
Kleitman, 1953; Crick e Mitchison, 1983).
Considerando o aspecto científico, foi a partir da década de 30 que avanços
notáveis a cerca do estudo do sono possibilitaram um maior progresso e
compreensão do assunto.
Berger (1930) obteve um grande avanço no estudo dos mecanismos de sono
e vigília quando registrou a atividade elétrica encefálica, por meio de
eletrodos de agulhas introduzidos no couro cabeludo (eletroencefalograma, ou
EEG). Nos primeiros EEGs registrados durante o sono, Berger descreveu os
fusos e as ondas delta, que caracterizam as fases II, III e IV do sono
humano, descritas mais adiante.
O sono apresenta estágios alternantes, e cada estágio possui padrões
eletroencefalográficos característicos, segundo freqüência e amplitude das
ondas, que são distintos daqueles observados durante a vigília (Loomis e
cols., 1937; 1938).
Rimbaud e cols. (1955) observaram a ocorrência de curtas fases
dessincronizadas no EEG durante o sono natural de gatos, que eram semelhantes
ao padrão típico de atividade elétrica no hipocampo (ritmo teta). Essas fases
constituem um estado de sono inteiramente distinto daquele com padrão sincronizado
e foram denominadas de “sono dessincronizado” (Moruzzi, 1972) ou também “sono
paradoxal” (Jouvet, 1972), pois possui padrão eletroencefalográfico análogo
ao da vigília, porém associado à ausência do tônus muscular (Jouvet e Michel,
1959). O sono paradoxal passou a ser extensamente estudado, em especial
devido aos movimentos periódicos rápidos dos olhos na espécie humana (por
esse motivo, esse estágio também pode ser denominado sono REM – “Rapid Eye
Movements”).
Esta fase também se caracteriza pela presença de sonhos (Dement e
Kleitman; 1957), pelos eventos fásicos (que incluem os movimentos oculares
rápidos, e também abalos musculares ou mioclonias, e ondas
ponto-genículo-occipitais - PGO) e tônicos (as já citadas atonia muscular
esquelética e dessincronização do eletroencefalograma cortical, ou seja,
ondas de baixa amplitude e alta freqüência, e flutuações
cardio-respiratórias) (Aserinsky e Kleitman, 1953; Jouvet, 1962, Vertes,
1984; Siegel, 1994).
Estudos demonstram que o tronco encefálico, particularmente a formação
reticular pontina lateral e bulbar medial, é a área responsável pela geração
do sono REM, conforme revisado por Vertes (1984) e Siegel (1994).
Em contrapartida ao sono REM, existe o sono NREM (“Non-Rapid Eye
Movements”), que também pode ser denominado sono sincronizado, pois um
potencial elétrico rítmico inibitório-excitatório, gerado por neurônios
talâmicos e corticais, forma ondas sincronizadas de alta amplitude e baixa
freqüência (Steriade, 1992). Esta fase do sono pode ainda ser subdividida em
quatro estágios conforme o aumento de sua profundidade (Rechtschaffen e
Kales, 1968):
Estágio 1: o indivíduo se encontra numa transição
entre o estado de vigília e o sono, com ondas no EEG de baixa voltagem;
Estágio 2: presença de ondas no EEG de baixa voltagem,
sendo interrompido por fusos e complexo K, que são ondas de alta amplitude;
Estágio 3: presença de ondas delta, que
possuem baixa freqüência e alta amplitude;
Estágio
4: predominância
de ondas delta, lentas. Juntamente com o estágio 3, é denominado também como
‘Sono de Ondas Lentas’.
De modo geral,
o sono NREM apresenta baixa atividade neuronal, taxa metabólica baixa,
temperatura encefálica baixa, declínio da atividade simpática e aumento da
atividade parassimpática, pouca atividade muscular e a regulação da
temperatura está presente (Kandel e cols, 2003).
Durante o
período de sono em seres humanos normalmente ocorrem de 4 a 6 ciclos bifásicos
(Figura 1) com duração de 90 a 100 minutos cada, sendo cada um dos
ciclos composto pelas fases do sono NREM, com duração de 45 a 84 minutos, e
pela fase do sono REM, que dura de 5 a 45 minutos (Horne, 1980; Morrison,
1983).
Em indivíduos
adultos normais, o sono NREM encontra-se principalmente distribuído na
primeira metade do período de sono, enquanto o sono REM predomina na segunda
metade deste período. Em seres humanos, um adulto jovem saudável, com ciclo
vigília-sono convencional,
apresenta, aproximadamente, as seguintes proporções em relação ao
tempo total de sono (Carskadon e Dement, 1994):
Sono NREM:
estágio 1 → 2 - 5%,
estágio
2 → 45 - 55%,
estágio 3 → 8%,
estágio 4 → 10 - 15%,
O ciclo dos estágios do sono de seres
humanos de vida adulta inicial. Pode-se observar que o sono caracteriza-se
pela progressão do estágio 1 para o estágio 4 do sono NREM. Depois de
aproximadamente 70-80 minutos, o individuo retorna brevemente para os
estágios 3 ou 2, e então entra na primeira fase do sono REM da noite, que
dura aproximadamente 5-10 minutos. Nos seres humanos, a duração do ciclo
representado pelo início do sono NREM até o final da primeira fase de sono
REM é de aproximadamente 90-110 minutos. Este ciclo sono NREM/REM é repetido
de 4 a 6 vezes durante a noite. Nos ciclos sucessivos a duração dos estágios
3 e 4 do sono NREM diminuem à medida que a duração da fase REM aumenta.
Fonte: Kandel e cols, 2001.
O ritmo
circadiano básico do ciclo sono-vigília é gerado pelo núcleo
supraquiasmático, geralmente vinculado às oscilações na temperatura e ao
ciclo claro-escuro geofísico (Moore-Ede e cols., 1982). Em seres humanos
normalmente, o período de sono ocorre durante a noite e geralmente é único.
Em ratos e camundongos, por exemplo, o período de sono é durante o dia, e o
sono é fragmentado, característica de animal predado.
Sagüis (Callithrix
sp.) podem ser bons modelos de sono para o sono humano, pois possuem o
período de sono durante a noite. Além disso, estes animais apresentam as
mesmas fases (NREM e REM) e os mesmos estágios do sono NREM, em forma de
ciclos bifásicos tal qual o humano, demonstrado por Crofts e
colaboradores (2001), ao serem analisados por radiotelemetria.
Utilizando
essa técnica (telemetria), além do registro do eletroencefalograma,
informações sobre a temperatura corpórea e a atividade locomotora também
podem ser obtidas. Não obstante, a restrição física ao animal é inexistente,
ao contrário do que aconteceu em experimentos que fixavam o animal em uma
cadeira (Weitzmann, 1961), ou acoplavam ao animal uma mochila contendo a
aparelhagem para medição (Bert e cols, 1975).
Utilizando-se a
radiotelemetria, portanto, não há (ou pelo menos é muito reduzida quando
comparada ao registro convencional) restrição física e psicológica ao animal,
e este pode continuar vivendo com seu grupo, no local onde já está
acostumado, possibilitando, desta maneira, uma maior confiabilidade do
resultado.
Até o momento,
poucos estudos utilizando a radiotelemetria foram feitos com o objetivo de
analisar o sono em sagüis. O trabalho desenvolvido neste laboratório
baseia-se em estudos de transmissores implantados no encéfalo de sagüis,
possibilitando o registro de um canal de EEG durante o período de sono. Os
diferentes estágios do sono são classificados de acordo com os critérios de
Rechtschaffen e Kales (1968), exceto pela ausência das informações do
eletrooculograma e eletromiograma, em vigília, provável REM (pREM), sono leve
(estágios 1 e 2) e sono de ondas lentas (estágios 3 e 4).
Para melhor
caracterizar os estágios do sono, informações adicionais, como registro do
eletromiograma e da temperatura, podem ser obtidas. Além disso, o trabalho de
Crofts e seus colaboradores abre possibilidades para o estudo de drogas que
modulam o sono, neste modelo comprovadamente adequado.
Assim, a
proposta do presente trabalho é analisar a resposta eletrofisiológica e
comportamental do sono de sagüis às seguintes drogas: modafinil (droga que
age diminuindo o sono), diazepam (droga indutora de sono) e donepezil (droga
que aumenta a frequência do sono REM). Essas drogas são utilizadas na clínica
no tratamento de narcolepsia (Bastuji e cols, 1988; Boivin e cols, 1993),
para o tratamento de insônia (Gilman, 1996), e no tratamento da Doença de
Alzheimer (Geldmacher, 1997), respectivamente
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